terça-feira, 29 de julho de 2014

FILOSOFIA EM CENA REABRE SUAS ATIVIDADES

Amanhã, 30/07, o Projeto de Extensão Filosofia em Cena reinicia suas atividades desse semestre e abre as inscrições para todos os interessados no projeto. Não há pré-requisitos nem custo para a participação. 

Para os acadêmicos que precisam de horas complementares, o projeto disponibiliza, ao final do semestre, uma declaração das horas correspondentes à participação no projeto. 

O projeto tem início às 14:30h na Sala 107 do Bloco A da UCDB. 

Para os interessados, fazer sua inscrição amanhã no local. 

Estão todos convidados!

CRONOGRAMA DE ATIVIDADES DO FILOSOFIA EM CENA NO SEMESTRE 2014B

DATA
AÇÃO
30/07
Capacitação Victor
13/08
Capacitação
27/08
Capacitação
10/09
Capacitação Zanatta
24/09
Capacitação
29/09
Evento Interno: (Discussão Pública de Filme na UCDB)
08/10
Capacitação Victor
22/10
Capacitação
28-29/10
Congresso Ensino-Pesquisa-Extensão
?
Evento Externo: RATIO-CINE (Na Fathel)
05/11
Capacitação Zanatta
19/11
Capacitação
08/11 ou 25/10
Evento Externo: (Discussão sobre Filosofia e Cinema na Le Parole)
03/12
Encerramento

sexta-feira, 20 de junho de 2014

COMENTÁRIOS AO FILME: "THE KILLING ROOM"

Manipulador de Cérebros

Dulce Regina dos Santos Pedrossian

            O filme Manipulador de cérebros, suspense, com título original The killing room, sob direção de Jonathan Liebesman, teve seu lançamento em 2010. Emily Reilly (Chloe Sevigny[1]), psicóloga, especialista em Psicologia Militar, foi indicada, ainda que tivesse a opção de desistir, para trabalhar no projeto que tinha como pretensa finalidade explorar os limites da resistência da psique humana sob a supervisão do Dr. Phillips (Peter Stormare). Tal intento foi questionado por Emily Reilly, pois tinha conhecimento de que o governo americano tinha suspendido propostas dessa natureza, o que contradisse Dr. Phillips, ao explicar que o governo dos Estados Unidos podia burlar normas, leis, depois do ocorrido em 11 de setembro de 2001.
Os participantes foram selecionados depois de atenderem ao anúncio, e cada um deles receberia 250 dólares no final independente de terem sido ou não eliminados, de modo que cabia à Emily Reilly traçar um perfil deles. Cada um individualmente deu entrada à sala de experimentação, conduzidos por Dr. Phillips, para serem observados secretamente pela referida psicóloga. Primeiro adentrou no recinto Kerry Islano (Clea Du Vall), casada, seguida por Tony Mazzolla (Shea Whigham), depois Crawfod Haines (Timothy Hutton) - que tinha uma filha - e, por último, Paul Brodie (Nick Cannon). Todos eram portadores de fichas criminais negativas e eram cidadãos americanos, e, logo que entraram na sala, passaram a preencher um formulário de consentimento com perguntas sobre dados pessoais e, também, sobre possíveis situações a serem enfrentadas.
Tony Mazzolla demonstrou afetividade em relação à namorada ao telefonar para ela, bem como preocupação com sua mãe, ao dizer para ela [namorada] que tinha dinheiro guardado para ser entregue à mãe. Crawfod Haines demonstrou que já tinha passado por situações parecidas e auxiliou Kerry Islano a preencher o formulário, e, também, sanou dúvidas de Tony Mazzolla. Por seu lado, Paul Brodie tinha uma atitude de afastamento em relação aos demais, inclusive ficava mais distante deles. Por seu lado, dentre as atribuições de Emily Reilly, tinha que observar atentamente tudo, analisar a situação e ter capacidade para detectar se alguns deles estariam mentindo.
            Ao iniciar a primeira fase da execução do projeto, que deu início com a entrada do Dr. Phillips na sala onde estavam todos os participantes para serem instruídos em relação à forma de participação e, também, tinha o objetivo de recolher os formulários que, segundo ele, não partiu dele esse tipo de atividade, pediu aos participantes que colocassem todos seus objetos pessoais em envelopes, e, conforme questionado, disse que eles ficariam na sala em torno de 8 horas.
A cena do filme que mais me impactou foi quando o médico abruptamente acertou  uma bala com a arma de fogo que estava em sua pasta na cabeça de Kerry Islano, e, em seguida, ausentou-se da sala, trancando todos no recinto. Como explica Cabrera (2006, p. 23), “... os chamados ‘filmes cerebrais’ comovem o espectador precisamente por meio de sua frieza”. Essa passagem provocou reações diversas entre eles - Tony Mazzolla disse que tudo era uma farsa, encenação, que queria ir embora e gritava por socorro. Juntamente com Crawfod Haines, começou a dar chutes na parede. Portanto, o clima era de temor e de insegurança, ainda mais que tinham sido alertados que, se não respondessem as perguntas a serem feitas corretamente, seriam igualmente eliminados. Esse episódio exerceu efeito sobre mim porque não esperava uma normalização de morte por homicídio de modo tão cruelmente arquitetado.
A sala onde estavam trancados era totalmente branca, com paredes, piso e cadeiras brancas, bem como asséptica, tal qual um laboratório experimental. O espaço físico caracterizava-se pela frialdade, poucos móveis, cadeiras grudadas no chão (apontado por um dos participantes como se já tivessem tido problemas anteriores com outras pessoas), sem objetos de decoração, sem a presença de elementos que denotassem vida, como plantas, exceto eles próprios. A sala estava localizada dentro de um “grande laboratório” e, conforme comentário do médico com a psicóloga, o programa funcionava na seleção de civis americanos com vistas a verificar se eles dariam a vida pela América, pela pátria. O clima psicológico depois desse fato era de tensão, porque corriam perigo de vida, isto é, estariam sendo questionados e avaliados, e à medida que quem fosse excluído seria morto. Mas, como comprovado, a protagonista Kerry Islano morreu antes mesmo de ser julgada.
Todos estavam vestidos de roupas de frio escuras, principalmente Kerry Islano e Crawfod Haines que estavam de preto, Tony Mazzolla vestia um casaco que tendia para a cor verde e Paul Brodie  estava com capuz na cabeça.  Considero a cena da morte de Kerry Islano como central, pois, com ela, já deu para comprovar que o projeto não foi planejado de modo transparente, humano, mas de forma desumana e cruel. Em um primeiro momento, vieram algumas indagações: será que isso ocorreu pelo fato de Kerry Islano ser mulher? Mas a psicóloga também era mulher...  Tais indagações foram de certo modo respondidas pelo Dr. Phillips, ao dizer para Emily Reilly que a finalidade do projeto era mais abrangente do que relações de dominação e/ou subordinação. E que, também, era comum às famílias reagirem devido ao desaparecimento de familiares, de modo que ela tinha que se manter calma, com controle. Algo é acertado dizer, a morte de Kerry Islano foi um modo de colocar não somente os participantes em desespero, em tensão, e desconfiarem um do outro, mas também provocou medo em mim na qualidade de expectadora.
            Na fase I do experimento, foi explicado pelo médico que o processo de eliminação resultante do fato de não responderem as perguntas adequadamente, não interferiria no pagamento final. Kerry Islano continuava no chão da “sala da morte” toda ensanguentada, perceberam que a arma utilizada na sua morte ainda continha uma bala. A primeira pergunta era a seguinte: que números os americanos mais escolheriam entre 1 a 33? Quem ficasse mais distante da resposta seria a próxima vítima. A contagem e o controle do tempo eram feitos mediante um dispositivo acoplado à parede. Na sala, escutavam vozes diferentes, de modo que questionaram: “que língua é essa?” “Parecem muçulmanos, não são americanos, são membros da Al-Qaeda; eles alugam casas, mas por que iriam atrás de pessoas comuns?” Paul Brodie percebeu que alguém gravou “socorro” na parede da sala, e notaram, ainda, que tinham mais coisas escritas, como “reze por nós”, “25 de dezembro”, isto é, depreenderam que matavam as pessoas no Natal, de modo que passaram o sangue de Kerry Islano no local para maior identificação das palavras. Enquanto isso, o Dr. Phillips dizia que tudo era cuidadosamente planejado, muito refinado, e se tratava de ciência exata.
            O tempo estava passando, um deles colocou a mão em um dispositivo na parede e ela ficou presa; depois de muitas tentativas conseguiu tirá-la e ficou toda ensanguentada. Para salvaguardar o grupo, Crawfod Haines  e Tony Mazzolla combinaram que todos deveriam falar o mesmo número, de sorte que decidiram que todos falariam o número 7. No momento de darem as respostas, os dois primeiros falaram 7 e Paul Brodie disse 17, o que comprovou, mais uma vez, o afastamento dele no grupo. Em seguida, foram bombardeados por gás lacrimogêneo e transferidos para outra unidade para tratamento. Depois de voltam à “sala da morte”, ainda desmaiados, membro do projeto atirou em Tony Mazzolla. Os outros dois começaram a tossir, perceberam que o colega estava morto, e uma música de Mozart foi colocada como pano de fundo.
Em outro momento, Crawfod Haines começou a bater em Paul Brodie e alegou que ele tinha traído o grupo, ao responder 17 e não 7 como combinado. Em seguida, foi lançado um papel para dentro da sala e que continha a 2ª pergunta: em que posição se encontra os Estados Unidos no ranking internacional do consciente médio de inteligência? Quem ficasse mais longe da resposta seria eliminado. Crawfod Haines ficou desesperado, começou buscar  aberturas na instalação para sair, quebrou uma vidraça no teto da sala, passou sangue no seu corpo, e combinou com Paul Brodie que ele diria 5º, isto é, ao ler na Revista Times, os Estados Unidos estão entre os cinco primeiros dos países, e ele deveria dizer 4º, pois um tinha que sobreviver; começou a recordar com Paul Brodie como era a instalação, os corredores, as escadas, a saída de emergência, a alavanca que deveria ser puxada. Dizia: “o Senhor é o meu pastor, nada me faltará”. Conversavam acerca de que um deles iria sair vivo e que teria que contar tudo acerca dos desgraçados, pois tinham que parar com isso.  E Paul Brodie dizia o tempo todo que não ia conseguir. Crawfod Haines dizia que um deles deveria estar preparado para fugir, e que, quando abrissem à porta, Paul Brodie deveria atirar para matar.
Depois do Dr. Phillips ter dito a Emily Reilly que ela o tinha decepcionado, isto é, tinha capacidade analítica, mas não tinha estômago e nem discernimento, ela disse que estava preparada sim. Disse-lhe que tinha tirado conclusões a respeito do projeto, isto é, que o objetivo era a apoptose, e explicou que se tratava de uma célula disposta a se sacrificar pela maior, o que contestou o médico ao dizer que se tratava de um mecanismo do corpo humano, ou seja, uma célula que se percebia inferior em relação ao sistema.
E enquanto Crawfod Haines e Paul Brodie continuavam a conversar, atiraram inesperadamente em Crawfod Haines, de modo que Paul Brodie saiu correndo, chorando da sala, querendo fugir. Tentou  passar por uma porta, mas foi interceptado por Emily Reilly, e depois encaminhado para a Fase 2 – de doutrinação. A conclusão do Dr. Dr. Phillips era a de que apenas os melhores têm sucesso, e finalizou que um entre vinte americanos comuns tem disposição para se tornar uma arma civil, isto é, um civil disposto a matar pelo seu país, e, com isso, caberiam dar continuidade ao programa.
A teoria crítica da sociedade, decerto, ilumina a minha análise na medida que coloca em destaque a relação indivíduo, cultura e sociedade. O filme em análise e, em especial a cena da morte de Kerry Islano, evidencia a luta pela autoconservação diante de uma situação altamente planejada, isto é, os participantes não tinham escolha a não ser submeterem à crueldade requintada dos empreendedores do projeto. Isso nos reporta a Adorno (2000), quando se referiu ao ocorrido em Auschwitz, pois o ocorrido foi algo administrativamente planejado e corporificado em barbárie mediante opressões e em torturas. Com efeito, ou as perguntas feitas aos participantes do projeto eram meros pretextos, pois a ordem dos que iriam morrer coincidiu com o ingresso na “sala da morte” e já tinha sido traçada a priori, ou seria uma simples coincidência. Tratava-se de um plano regido pela racionalidade da técnica calcada na ciência positivista, de modo que seres humanos eram tratados como se fossem coisas, como se não tivessem sentimentos e alternativas. Como pontua Crochík (2001, p. 90-91):
A ideologia da racionalidade tecnológica traz como paradigma a razão subjetiva ou instrumental, tal como a define Horkheimer [...] e se expressa na ciência positivista[2] e na técnica, que desde o século passado, segundo Marx [...] já contribuíram para a substituição de mão-de-obra viva pelas máquinas. O que rege essa ideologia é a lógica formal ou lógica da identidade, que abstrai de diversos particulares os seus elementos comuns em busca da classificação, ordenação, quantificação etc. A ausência da percepção das contradições e a tendência a sistematizar os fatos são características dessa ideologia [...] disso resulta um hiper-realismo que se alia com a busca pragmática dos resultados, e a percepção imediata passa a se destacar da realidade como a sua verdade. A ênfase na competência e, portanto, na solução dos problemas imediatos, passa a ser a tônica para a adaptação ao mundo atual.

O que se subentende é o amoldamento do indivíduo à realidade estabelecida, ainda que signifique sua dominação interna por conta da ostentação pela competência e por atitudes imediatas que carecem de reflexão e de percepção das contradições sociais. Ainda, a racionalidade tecnologia vem afetando as diversas instâncias da vida do indivíduo, tal como mostrado no filme em que as relações no âmbito do trabalho se tornaram coisificadas, e passaram a utilizar de artefatos tecnológicos de modo desmedido.  No caso do Dr. Phillips e de Emily Reilly, essa última teve um breve momento de resistência, mas, ou o pensamento não se impôs ou ela se sentiu encantada com a adesão ao projeto que carecia de sensibilidade e de finalidades humanas.
O filme coloca, também, em evidência o nacionalismo americano, que, segundo Adorno (2000), aproxima-se do narcisismo das pequenas diferenças de Freud, de modo que somente é possível aos indivíduos reunirem-se no momento que podem projetar sua agressão em outros grupos, no caso, nos americanos considerados comuns. A solução que a película apresentou era a continuidade do projeto alimentado pelos que eram doutrinados, de modo que técnicas de condicionamento de comportamento sobrepujaram possibilidades de resistência. Como explica Adorno (2000, p. 71):
Na incapacidade do pensamento em se impor, já se encontra à espreita o potencial de enquadramento e subordinação a uma autoridade qualquer, do mesmo modo como hoje, concreta e voluntariamente, a gente se curva ao existente. Alguns possivelmente ainda procurarão sacramentar o próprio encantamento como sendo o que o jargão da autenticidade denomina de vínculo autêntico. Enganam-se, porém. Eles não se encontram além do isolamento do espírito autônomo, mas sim aquém da individuação.
           
Todos demonstraram adaptados ao sistema, e, sem dúvida, Emily Reilly, como psicóloga, prescindiu da ética profissional e curvou-se diante das condições dadas. Ainda, segundo Adorno (2000), pesquisas realizadas nos Estados Unidos revelaram que a estrutura da personalidade autoritária não se relaciona tanto assim com os critérios econômico-políticos, mas seria definida muito mais por traços como pensar conforme as dimensões do poder – impotência, paralisia e incapacidade de reagir, comportamento convencional, conformismo, ausência de autorreflexão, enfim, ausência de aptidão à experiência.
Na busca pela compreensão do filme “Manipulador de cérebros”, nos termos de Cabrera (2006), o cinema não elimina a universalidade nem a verdade, porém as redefine na perspectiva da razão logopática. Nesse sentido, o filme como um todo pode ser concebido como um conceito-imagem de manipulação do outro por intermédio de finalidades traçadas a priori. Se os cobaias não tinham condições de resistir diante do aprisionamento que se encontravam e corriam risco de vida, os empreendedores do projeto por intermédio de uma sofisticada frialdade demonstraram o poder do todo em relação ao particular. Mas será que Paul Brodie, ao ser doutrinado, passaria de cobaia a instrutor de programas dessa natureza? Como sinaliza Cabrera (2006), “... personagens podem ser tipificados de uma maneira bastante fixa e constante, de modo que acabam uniformizando extraordinariamente as situações que os caracterizam”. Portanto, podemos inferir que a sociedade demanda a produção de configurações psíquicas para a manutenção do status quo e a questão do desamparo é um fato.

REFERÊNCIAS

ADORNO, Theodor W. Educação e emancipação. 2 ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2000.

CABRERA, Julio. O cinema pensa: uma introdução à filosofia através dos filmes. Trad. Ryta Vinagre. Rio de Janeiro: Rocco, 2006.

CROCHÍK, José Leon. O ajustamento do pensamento em uma sociedade de alto desenvolvimento tecnológico: o computador no ensino. São Paulo: Universidade de São Paulo - USP, 1990. (Tese de Doutorado.)

__________. Teoria crítica da sociedade e estudos sobre o preconceito. In. Revista Psicologia Política, ano 1, v. 1., n. 1, São Paulo: Sociedade Brasileira de Psicologia Política,  2001, p. 67-99.

MANIPULADOR DE CÉREBROS. Título original The Killing Room. 93 minutos. País de origem: EUA. Dirigido por Jonathan Liebesman


[1] No decorrer do texto, os nomes dos autores estão entre parênteses.
[2] Para maiores esclarecimentos, Crochík (1990) postula que, enquanto a lógica formal age em benefício da realidade estabelecida, a dialética atua em defesa de sua transformação. Por suas próprias características, a lógica formal prima-se pela regra da identidade e pela negação da contradição. Ao anular o conteúdo e o valor, a lógica formal nivela os fenômenos da natureza aos fenômenos humanos, de forma que o domínio da natureza supõe o domínio do homem.